quinta-feira, 29 de maio de 2008

Consulta Odontológica: não deveríamos nem estar discutindo, quanto mais não cobrando

Por Beatriz Helena Sottile França
Profa. Doutora da PUC-PR, UTP e UFPRNa

"Odontologia têm-se tipos diversos de consultas: a consulta clínica odontológica que se constitui além de um trabalho intelectual, também técnico e manual, e a consulta odontológica que é essencialmente intelectual e quem nem sempre precisa ser acompanhada de exame clínico. Para que um cirurgião-dentista tenha o direito à cobrança de honorários de uma consulta, basta que ele disponha os seus conhecimentos a quem solicite.
Tanto já se discutiu sobre cobrar ou não cobrar consulta clínica odontológica, e cuja discussão me parece um absurdo, mas, como todos os dias se ouve e se lê colegas cirurgiões-dentistas propagando a sua não cobrança, vale a pena rediscutir o tema.
Não cobrar uma consulta clínica odontológica é não valorizar o seu trabalho e mais do que isto, não exercer um direito que lhe é dado pela legislação.
Dispõe o Código Civil Brasileiro (Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002) – CAPÍTULO VII
– Da Prestação de Serviço. Art. 594 – Toda espécie de serviço e trabalho lícito, material ou imagem, pode ser contratado mediante remuneração.
Todo aquele que presta um serviço tem o direito garantido por lei à contraprestação pecuniária. Os honorários profissionais são uma forma diferencial de pagamento a que fazem jus os profissionais liberais autônomos pelos serviços que prestam.
Além disso, a lei no 5.081 de 24 de agosto de 1966, que regulamenta o exercício da Odontologia no Território Nacional, proíbe o profissional de prestar serviço gratuito, como se lê no artigo Art. 7º – É VEDADO AO CIRURGIÃO-DENTISTA: e) a prestação de serviço gratuito em consultórios particulares;
Não bastasse a Lei proibindo, o Código de Ética Odontológica condena a prestação de serviço gratuito por considerá-la concorrência desleal.
CAPÍTULO VII – DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS
Art. 12 - Constitui infração ética:
I – oferecer serviços gratuitos a quem possa remunerá-los adequadamente;
E o mesmo Código, dispõe na:
Seção I – DO ANÚNCIO, DA PROPAGANDA E DA PUBLICIDADE
Art. 34 - Constitui infração ética:
XI – “oferecer trabalho gratuito com intenção de autopromoção...”;
O que se observa, é que se está consolidando no exercício da profissão odontológica o costume de não se cobrar a consulta clínica. Tanto isto é verdade, que já temos ação na justiça impetrada por paciente que se sentiu aviltado porque o profissional lhe cobrou. Pior que isso, o profissional se sentiu muito mal quando ao comentar com colegas o ocorrido, ouviu destes comentários condenando-o por tê-lo feito. Mais ainda, ficou injuriado o profissional ao buscar os serviços de um advogado, e ouvir deste que não valeria a pena discutir o assunto, que o melhor seria devolver o que o autor da ação estava pedindo: a restituição do valor cobrado, em dobro.
Infelizmente, mais do que atitude da concorrência desleal, a não cobrança da consulta odontológica é desvalorização da profissão pelos próprios profissionais que a exercem.
O titulo que se conquista estudando durante metade de nossas vidas é o de cirurgião-dentista, e não como tantos se autodenominam “dentistas”. Cirurgiões-Dentistas porque diagnosticamos e procedemos, tal qual os médicos cirurgiões, e estes não deixam nunca de cobrar a consulta mesmo que não realizem a cirurgia.
Não cobrar a consulta clínica é educar de modo errado a população. É fazê-la entender que a nossa profissão é somente técnica sem ciência, é fazê-la nos ver não como profissionais de saúde que somos, mas “mecânicos da boca”, cujos profissionais ainda fazem “orçamento” e não previsão de custos.
Educar a população quanto ao valor da saúde bucal é dever de todo cirurgião-dentista, e fazê-la reconhecer a importância deste profissional no contexto social também, e estes são aspectos muito próprios de uma consulta inicial de um atendimento odontológico. A saúde é um bem muito precioso e da qual o cirurgião-dentista cuida com o seu conhecimento.
Se, já no início do atendimento do paciente, o profissional não valoriza o seu trabalho, como quer conseguir valorizar os procedimentos que virão num segundo momento? Mais ainda, como querem os cirurgiões-dentistas que os planos, convênios e credenciamentos valorizem o seu trabalho, se estes mesmos não o fazem?
Sabe-se que a jurisprudência é fonte do Direito. O risco que se corre é o de se ter uma sentença judicial declarando que não é costume o cirurgião-dentista cobrar consulta.
É de se pensar seriamente, e de se mudar de atitude antes que seja tarde demais."
Texto publicado originalmente na Revista Clínica de Ortodontia Dental Press e posteriormente publicada na Revista Gazeta – Jornal Oficial da ABOR

fonte: Revista Gazeta – Jornal Oficial da ABOR

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